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Mães solteiras desmistificam a necessidade da adoção ser realizada apenas por casais

No Brasil, todo adulto maior de 18 anos, independentemente do estado civil e orientação sexual, pode entrar em processos de adoção. Conheça histórias reais de mulheres que vivem esta realidade

 Por Gabriella Collodetti

Atualmente, o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) conta com mais de 32 mil pretendentes disponíveis e habilitados para adoção. Os dados são atualizados diariamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e indicam o interesse crescente da população pelo tema.

Sabe-se que a busca por formar uma família, sem vínculos sanguíneos, pode ser feita de diferentes formas. Entretanto, todo processo deve ser acompanhado pela Justiça e ter respaldo na Lei – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A maneira mais conhecida e comum de realizar esta ação é por meios legais, onde os indivíduos devem se dirigir à Vara da Infância e da Juventude (VIJ) da região para entrarem no sistema.

De modo geral, todo adulto maior de 18 anos, independentemente do estado civil e orientação sexual, que seja 16 anos mais velho que o adotando (no mínimo) e que não demonstre incompatibilidade com a natureza da medida pode entrar no processo de adoção disponibilizado no Brasil por meio da Justiça. Isso significa que homens e mulheres que não estão em um relacionamento podem buscar esta alternativa para formar uma família ainda que estejam solteiros.

Foi o caso de Letícia Mendonça, servidora pública. Aos 35 anos, ela teve um forte interesse pela maternidade. Aos 38, decidiu não esperar por um companheiro para realizar o seu sonho de se tornar mãe. “Uma querida amiga, mãe por adoção, me apresentou o Aconchego. Comecei a ir nas reuniões para ir amadurecendo a ideia. Isso foi fundamental. Ouvi muitas histórias e, às vezes, voltava para casa com o coração pensativo”, relembra.

Letícia comenta que, durante todo esse período, acolheu medos, desmistificou assuntos relacionados ao universo da adoção e, periodicamente, voltava para os encontros promovidos pela Organização da Sociedade Civil (OSC) para compreender ainda mais o assunto.

“Aos 40, eu tomei a decisão e entrei com a papelada. Não tenho família em Brasília, mas dividi com eles esse sonho e, igualmente, com amigos próximos. Recebi muito apoio. Não se adota e nem cria filho sozinha. Precisamos construir a nossa ‘tribo’ em torno desse processo”, comenta.

Entretanto, ela relata um período em que tentou ter um filho biológico por meio da fertilização em vitro. A primeira tentativa não deu certo e, depois dela, não houve novas mobilizações para tentar novamente. Para a servidora pública, a necessidade do filho ser parecido com ela não era um pré-requisito. O desejo, na verdade, envolvia o fato de se tornar mãe. Esse processo da sua vida gerou amadurecimento e comprovou a sua certeza frente à adoção.

Logo depois de se habilitar no SNA, a profissional pensou em vivenciar a primeira infância da criança. Todavia, ao mesmo tempo, Letícia também nutria um forte carinho por idades maiores. O que auxiliou na tomada da decisão de qual idade buscar foi a conversa com um casal de amigos de Salvador que adotaram duas meninas próximas aos dez anos. Com a experiência compartilhada, a escolha já estava feita e, nessa ocasião, restava aguardar os processos padrões de adoção.

“Uma outra amiga minha tinha um abrigo e, na época, visitei o espaço. Conheci uma menina de noves anos que me chamou atenção, entretanto, não sabia se ela estava disponível para adoção. Não busquei saber, por medo da resposta. Além disso, depois de mais de um ano e da superação do fracasso da fertilização in vitro, passei em uma seleção para mestrado. Confesso que fiquei na dúvida se me matriculava ou não e pensava que, talvez, pudesse ser uma forma inconsciente de sabotar o meu projeto de ser mãe”, destaca.

Mesmo assim, Letícia foi na Vara da Infância e Juventude (VIJ) e, na ocasião, descobriu que ainda teria mais três anos de espera para finalizar o seu processo de adoção. O mestrado entraria como uma opção interessante, visto que duraria apenas dois anos.

“O meu coração não ficou em paz. Liguei para a minha amiga que cuidava do abrigo e combinamos de almoçar. Em um sopro de coragem, mencionei aquela criança de nove anos – que já deveria estar com dez. Nesse dia, soube que ela havia sido adotada recentemente e os meus olhos se encheram de lágrimas. Lembro que minha amiga disse que, às vezes, ela apareceu na minha vida para abrir o meu peito para o filho que virá. E nesse caso, se a menina fosse construir uma família comigo, a vida traria de volta”, conta Letícia.

Ao longo do mestrado, a servidora pública foi pega de surpresa com uma ligação informando que a menina, com quase onze anos, havia retornado ao abrigo. Além disso, não havia ninguém na fila com interesse no perfil da criança. Depois de se preparar e levantar informações, a VIJ foi comunicada e, por fim, começamos um estágio de convivência por seis meses.

Quando pensa no fato de que é uma mãe solteira com uma filha adotada, Letícia é firme em dizer que não sofreu preconceitos por esses motivos. Na verdade, ela defende que o processo de fertilização gerou mais tabus do que a adoção em si. “Parece que conceber um filho sozinha é mais punido do que adotar. Até porque, erradamente, a sociedade concebe ainda muito a adoção como caridade e não como maternidade”, reforça.

Contudo, ela reitera que foi tratada de uma boa forma em todas as instâncias do processo de adoção. “Acho que já se venceu muito preconceito e o Aconchego me ajudou a perceber que não apresentar a família ideal para minha filha (pai, mãe, um irmão, uma casa e um cachorro) seria algo que a frustraria. Claro, havia dinâmicas e momentos que era estranho eu estar sozinha e não ser mais um casal, hétero ou homossexual, mas eu percebi que isso estava bem resolvido em mim, pois levava com muita leveza esses momentos”, pontua.

De encontro a preconceitos

Karina Ribeiro, assistente social da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, não teve a mesma receptividade da sociedade em relação às adoções que realizou. Ela comenta que, até hoje, o preconceito se faz presente no seu dia a dia por conta da sua escolha de formar uma família por meio do processo adotivo.

“É muito difícil a sociedade aceitar que uma mulher sozinha pode optar por constituir uma família sem a figura masculina. Eu optei por fazer duas adoções fora do padrão, uma especial e outra tardia, com um grupo de irmãos. Chamaram-me de louca e disseram que eu estava procurando problemas na vida. Indicaram que não daria certo e eu me decepcionei muito, mas segui em frente. Procurei ajuda profissional para me fortalecer e entender os processos que estava vivenciando”, esclarece.

A assistente social comenta que, há três anos, estava habilitada. Sua filha, na época, possuía dois anos e era considerada uma criança especial por ter paralisia cerebral e microcefalia. Para o estágio de convivência, foi necessário permanecer um mês em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. O processo se estendeu por um ano até ser emitida a certidão de nascimento.

Depois um ano e meio, Karina retornou para o SNA para iniciar o estágio de convivência com três irmãos mais velhos (15, 14 e 9 anos). De acordo com ela, eles vieram de uma pequena cidade de Minas Gerais, chamada Luz. O período de adaptação ocorreu no ano passado, com a vida dos jovens para Brasília e, depois de um ano, foi oficializada a adoção.

“Sempre tive o interesse de ser mãe. Como não quis que a maternidade fosse vinculada ao fato de ter um companheiro, optei pela adoção como uma forma de realizar um sonho. Para mim, nunca foi um tabu. Não tinha preconceitos, apenas um pouco de medo de não dar conta das demandas que a maternidade exige. Mas esse empecilho não era vinculado à adoção em si, mas sim ao fato de ser mãe”, relembra.

Karina também informa que é preciso estar consciente da sua decisão. A maternidade de forma biológica possui as suas particularidades, mas com a adoção é preciso estar atento às bagagens que a criança traz: há traumas e um passado que devem ser levados em consideração sem serem apagados. Isso, sem dúvida, impacta na vinculação, adaptação e no sucesso da formação familiar.

“O amor é uma construção no dia a dia. Acredito piamente que a mulher pode assumir sozinha uma família desde que tenha persistência e saiba pedir ajuda nas horas mais críticas. É preciso se perceber e se cuidar como um ser que tem as suas limitações e fragilidades”, pondera.

Ambos os processos exigiram que Karina fosse consciente dos seus atos. Na primeira vez, houve uma atenção especial em cuidados físicos, o que gerou grandes desgastes a longo prazo. Contudo, o sorriso da filha recompensava esses momentos e dava certeza da diferença que a criança faz na sua vida de uma forma positiva.

No segundo processo, com os irmãos, veio à tona maiores ansiedades, crises, testes e saudades da família biológica. No meio de todos esses sentimentos, a pandemia surgiu de uma forma intensa para complicar a situação. “Fiquei apreensiva. Bateu uma tristeza, apatia e cansaço mental. Mas procurei ajuda profissional para lidar com essas situações. As alegrias da adoção vêm quando percebemos que fizemos diferença na vida dessas crianças. Cada sorriso que dão e a tranquilidade que transmitem por saberem que estão em um lar protetivo, longe de violências e desrespeitos. Eles fazem a diferença na minha vida”, relata Karina.

A assistente social destaca que, caso o homem ou a mulher optem por adotar sozinhos, é preciso ter consciência das dificuldades que irão enfrentar. Por essa razão, é necessário reforçar que não é um processo fácil. Para ela, buscar auxílio e perceber as belezas da maternidade e/ou paternidade nas pequenas coisas – no abraço, sorriso ou olhar – dão forças para continuar.

“Não deixe que o medo do desconhecido tome conta e nem que as opiniões carregadas de preconceitos norteiem as decisões. Fuja do desânimo que aniquila as perspectivas de futuro. Sou mãe solo de quatro e eles me ensinam a ser uma pessoa melhor a cada dia. Fazem de mim uma pessoa forte e persistente”, aconselha.

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